Conceito de consentimento incluído em França na definição penal de violação
Paris, 29 out 2025 (Lusa) – O parlamento francês ratificou hoje uma alteração ao código penal que introduz o conceito de consentimento na definição de violação, após um longo processo legislative multipartidário.
“Constitui uma agressão sexual qualquer ato sexual não-consentido”, estipulará a lei, quando promulgada pelo Presidente da República francês, Emmanuel Macron, dentro de alguns dias.
Este desenvolvimento ocorre poucos meses após o impacto mundial do caso de Gisèle Pelicot, a vítima no centro do maior julgamento por violação em massa da história de França, cujo então marido a drogou entre 2011 e 2020 para a violar enquanto inconsciente e recrutou na Internet 83 desconhecidos para fazerem o mesmo, pelo menos 50 dos quais aceitaram e foram por isso julgados
e condenados.
O consentimento assumiu um lugar central no decurso desses longos meses de audiências em Mazan, no sudeste de França, tendo-se Gisèle Pelicot tornado um símbolo da luta contra a violência sexual, por erguer a voz contra os seus violadores e não temer o olhar público, porque “a vergonha tem de mudar de lado”, como disse o seu advogado.
“Acabámos de obter uma vitória histórica”, reagiram as duas deputadas autoras do texto, MarieCharlotte Garin (ecologista) e Véronique Riotton (Renascimento, centro), num comunicado conjunto, saudando “um grande passo em frente na luta contra a violência sexual”.
França junta-se, assim, ao grupo de países que já alteraram a sua legislação neste sentido, entre os quais o Canadá, a Suécia, Espanha e também a Noruega, desde a primavera deste ano.
O Direito Penal francês ficará, assim, mais claro, pela incorporação explícita deste conceito, já omnipresente na jurisprudência.
A aprovação da lei pelo Senado (câmara alta do parlamento francês) hoje seguiu-se à aprovação na Assembleia Nacional (câmara baixa), na semana passada.
“Este é o culminar de um longo processo entre a Assembleia Nacional e o Senado. Finalmente, temos um texto claro e acessível sobre o conceito de consentimento”, declarou a senadora Elsa Schalck, relatora do texto para o Senado, em declarações à agência de notícias francesa AFP.
O diploma “envia um sinal à nossa sociedade: estamos coletivamente a passar da cultura da violação à cultura do consentimento”, sublinhou Véronique Riotton.
“Quando não é um não, tal não significa que seja um sim”, e “quando é um sim, tem de ser um verdadeiro sim”, resumiu, por sua vez, Marie-Charlotte Garin, durante os últimos debates na Assembleia Nacional.
As duas deputadas defendiam esta alteração do Código Penal há quase um ano, após uma longa investigação sobre o tema, que até há pouco tempo tinha encontrado forte resistência, inclusive por parte de algumas organizações feministas.
As principais preocupações eram o risco de inversão do ónus da prova, que obrigaria as vítimas a provar que não consentiram, e também o potencial de contratualização das relações sexuais implícito no texto.
Em França, o consentimento passará a ser claramente definido pelo futuro Código Penal como “livre e informado, específico, prévio e revogável”.
“É avaliado à luz das circunstâncias. Não pode ser inferido unicamente do silêncio ou da falta de reação da vítima”, precisa o texto.
“Não há consentimento se o ato de caráter sexual for cometido com violência, coação, ameaças ou aproveitando a surpresa da vítima, seja qual for a sua natureza”, acrescenta, reiterando os critérios existentes.
Esta proposta de lei mereceu igualmente o apoio do Governo de coligação liderado pelo primeiroministro reconduzido por Macron, Sébastien Lecornu.
Só a extrema-direita se lhe opôs, tendo a União Nacional (RN, na sigla em francês) denunciado o que classificou como “uma deriva moral e jurídica sem precedentes”.
“Os advogados terão agora de dissecar não a violência do agressor, mas os gestos, as palavras e o silêncio da pessoa que se declara vítima”, afirmou a deputada da RN Sophie Blanc.
Vários senadores se abstiveram, como a socialista Laurence Rossignol, que lamentou a escolha da palavra “consentimento”, que, na sua opinião, reflete uma “visão arcaica da sexualidade, na qual as mulheres cedem ou recusam”.
“Consentir não é o mesmo que querer”, alertou Rossignol na rede social X.
Perante estas dúvidas, alguns parlamentares prometeram avaliar em breve o impacto desta alteração na legislação penal sobre a punição de casos de violência sexual.
A Federação Nacional dos Centros de Informação sobre os Direitos da Mulher e da Família (FNCIDFF) sublinhou a necessidade de acompanhar esta lei com “verdadeira educação sobre a vida afetiva, relacional e sexual” e com formação para juízes, polícias e guardas nacionais.
ANC // SCA
Lusa/Fim
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Fonte: LUSA



















